Há duas décadas, 10 de agosto de 2005, 99 bombeiros do Corpo de Bombeiros Militar de Santa Catarina (CBMSC) vivenciaram uma das ocorrências mais emblemáticas de suas carreiras. Um fato que mobilizou não apenas as forças de segurança pública, mas toda a comunidade: civis, empresários e moradores uniram esforços para ajudar após o desabamento do prédio dos Correios, no centro de Içara. O saldo foi de quatro vítimas fatais e 12 pessoas resgatadas com vida — além de inúmeros atingidos pelas marcas emocionais deixadas por uma tragédia que chocou toda a região.
O edifício possuía cinco pavimentos — subsolo (garagem), térreo (área comercial dos Correios), dois andares e cobertura. Com o colapso, todo o subsolo e o térreo foram achatados e compactados, reduzindo juntos seus seis metros de altura para apenas um metro. A estrutura, instável, ainda abrigava vítimas a serem retiradas — algumas vivas, outras não.
Na manhã de quarta-feira (10), dia do desabamento, equipes do CBMSC retiraram 12 vítimas com vida dos escombros, algumas com lesões leves e outras com esmagamento de membros e fraturas. A última vítima viva foi resgatada por volta das 15h10. Ao longo do dia, três corpos foram localizados, sendo o último retirado às 16h30. Ainda restava o desaparecimento de um idoso.
Durante a madrugada do dia 11, por volta de 1h30, sinais de um novo colapso interromperam o trabalho de resgate. A equipe fez nova avaliação e redirecionou as ações. Para garantir a segurança e permitir o acesso ao subsolo e ao térreo, foi necessário demolir as partes superiores que ainda permaneciam de pé. Somente na manhã de 12 de agosto, às 8h20, o corpo da última vítima foi encontrado.
O resgate contou com apoio de materiais e equipamentos do CBMSC, da Prefeitura de Içara e de empresas privadas.
“O acesso era extremamente difícil, pois as portas e janelas do térreo, do primeiro andar e de todo o subsolo estavam bloqueadas pelos escombros. Foi necessário arrombar paredes e lajes para criar entradas. A laje do teto do térreo praticamente se uniu ao piso daquele pavimento, restando pequenos espaços entre móveis, onde algumas vítimas foram encontradas”, comenta o coronel da Reserva Remunerada (RR) Vanderlei Vanderlino Vidal, comandante da operação.
Relatos dos bombeiros
Relembrando a ocorrência, o coronel RR Vanderlino destaca a carga emocional enfrentada desde os primeiros instantes.
“O impacto emocional começou já no chamado”, afirma. “O desabamento de um prédio com vítimas em seu interior é uma situação rara. Um momento difícil foi quando determinamos o revezamento das equipes para descanso — ninguém queria deixar o local. Por mais que a coragem seja inerente à nossa profissão, ocorrências como essa comprovam, na prática, o que tanto se fala. Passa de mera retórica para realidade. Tenho orgulho, até hoje, de todos os bombeiros presentes naquela ocorrência em 2005”, conclui o coronel.
O sargento Laercio Pedroso confessa que essa foi a pior ocorrência de sua vida.
“Naquele dia, o que mais me marcou, e ainda marca até hoje, foi o medo. Não estou falando isso para criar nenhum tipo de heroísmo ou fantasia, mas foi realmente a pior ocorrência que enfrentei nesse aspecto. Eu senti muito medo. Quando eu estava dentro da edificação, começamos a ouvir estalos. Imagina, tinha acabado de colapsar um prédio inteiro, esmagando um pavimento... A estrutura estava totalmente comprometida. Se ali movimentasse um milímetro, tudo poderia desabar de novo”, relembra.
Esperança
Em meio à tristeza, houve também momentos de esperança.
“Foi uma ocorrência extremamente complexa, com vários episódios marcantes, mas o que mais me emocionou foi quando o esposo de uma das vítimas conseguiu falar com ela por telefone celular e confirmar sua localização. Felizmente, conseguimos resgatá-la com vida e presenciar o reencontro dos dois”, relembra Vanderlino.
O subtenente RR Wanderley Pereira também revive uma lembrança forte:
“Perguntei se havia mais alguém precisando de ajuda e ouvi o grito de uma funcionária que estava cerca de 10 metros para dentro. Uma parede de tijolos estava sobre ela, mas sem pressioná-la — ela só não conseguia sair. Rastejamos até lá, quebramos a parede e, com cuidado, retiramos os tijolos até libertá-la. Ela conseguiu sair conosco”.
Pai e filho na ocorrência
Em meio a um cenário delicado, onde os bombeiros arriscavam as próprias vidas cumprindo o juramento da profissão, muitos também carregavam a preocupação com suas famílias. Esse foi o caso do sargento José Luiz da Silva, que atuava diretamente na retirada das vítimas, enquanto seu filho, hoje sargento Luiz Henrique Pereira da Silva — à época, soldado recém-incluído no CBMSC — colaborava com as equipes na parte externa da operação.
“Meu filho estava começando na corporação e já enfrentava uma ocorrência daquela gravidade, o que me causava grande apreensão. Imagine se pai e filho morressem juntos numa operação? Por isso, pedi ao capitão Vanderlino que o mantivesse afastado da área de risco e permitisse que apenas eu entrasse no prédio”, relata o sargento RR José Luiz.
Avanços e melhorias do CBMSC
Na época, as técnicas empregadas eram as mais avançadas disponíveis, mas, mesmo com preparo físico, psicológico e equipamentos, a situação fugia ao controle humano.
“Quem fazia a medição avisava que o prédio continuava descendo alguns milímetros, e ainda tínhamos que buscar vítimas. O mais importante era a segurança. Fizemos o possível para escorar a estrutura, mas nada poderia conter o peso. Ele poderia desabar e nos esmagar junto com as vítimas”, lembra o subtenente Pereira.
O atual comandante do 4° Batalhão de Bombeiros Militar de Criciúma, tenente-coronel Henrique Piovezam da Silveira, na época era soldado e atuou na ocorrência do prédio dos Correios.
“Hoje, como comandante do 4º Batalhão, olho para trás e vejo o quanto evoluímos. Os avanços em tecnologia, os novos equipamentos de resgate, salvamento e combate a incêndio, e os investimentos contínuos em capacitação dos bombeiros fazem toda a diferença no nosso dia a dia. Na época, o Curso de Busca e Resgate em Estruturas Colapsadas (CBREC) era restrito a poucos bombeiros. Hoje, faz parte da grade curricular de todos os cursos de formação. Estamos mais preparados, mais seguros e mais eficientes para atender à população”, reforça o tenente-coronel Henrique.
Confira as imagens da ocorrência: