Cavalo, liteira vermelha, louvores a uma deusa e juramentos diante de um altar decorado: assim foi realizado, em Itatiaia (RJ), um casamento luciferiano —considerado o primeiro do Brasil— em uma igreja dedicada a Lúcifer.
Como foi o casamento
O casamento viralizou em vídeos publicados nas redes sociais.
Ele foi conduzido por Jonathan de Oliveira Ribeiro, 31, conhecido como Mestre Jonan, e por sua esposa, Lídia Almeida Oliveira, 25, que também atua como sacerdotisa na igreja.
A cerimônia ocorreu no fim de março e voltou a repercutir agora.
O vermelho dominou cada detalhe da cerimônia: o tapete que levava ao altar, os trajes dos convidados, as flores e os paramentos dos membros da igreja.
O noivo a cavalo e a noiva em uma liteira vermelha abriram a cerimônia com cenas coreografadas e simbólicas.
Pedro, o noivo, entrou na igreja montado em um cavalo malhado, vestindo terno e calça vermelhos.
Franciane, a noiva, foi anunciada por um trompetista e entrou na igreja carregada em uma liteira.
Após a liteira ser baixada, a noiva seguiu até o altar acompanhada da mãe, que vestia azul.
Nas mãos, levava um buquê de rosas vermelhas e brancas. À frente, uma daminha de honra espalhava pétalas sobre o tapete.
Um menino trouxe as alianças. Durante a celebração, duas mulheres dançaram em torno do casal, jogando pétalas sobre eles.
A cerimônia terminou com um beijo, aplausos e louvores à deusa Astaroth. Segundo Mestre Jonan, Astaroth representa o amor e o sagrado feminino. Por isso, os tons de vermelho.
"Foi tudo autorizado pela espiritualidade", afirmou.
"Uma cerimônia linda, respeitosa, feita com justiça e luz. Esse foi o primeiro casamento luciferiano registrado oficialmente no Brasil", Mestre Jonan
Jonan explicou que esse tipo de cerimônia segue uma ritualística própria, com o uso da água como elemento de purificação.
Assista ao vídeo:
Durante o rito, o casal também recebe uma árvore simbólica para plantarem juntos —gesto que representa o fortalecimento da relação à medida que ela cresce e cria raízes.
Durante a cerimônia, os noivos assumem compromissos de amor, fidelidade, respeito, compaixão e equilíbrio.
Eles também passam a seguir os dez mandamentos da igreja, cujo conteúdo é restrito aos membros e visa formar indivíduos com princípios morais e atitudes benevolentes.
Lúcifer não é o diabo
Segundo os sacerdotes e participantes, engana-se quem confunde a cerimônia com algum tipo de ritual satânico.
Para os fiéis da Primeira Igreja Luciferiana do Brasil, Lúcifer não é o diabo — e o culto a ele não tem relação com o satanismo tradicional.
"O satanismo existe como forma de protesto. É algo muito mais arquetípico e social. O que vivemos aqui é espiritualidade", explicou o sacerdote.
Para Jonan, o luciferianismo defende o equilíbrio, a sabedoria e a libertação da ignorância —e reconhece a existência de um Deus criador.
"Lúcifer é luz. É a energia que ilumina o caminho para nos tornarmos dignos de sermos filhos de Deus", disse.
Ele também critica a ideia de responsabilizar o "diabo" pelos próprios erros.
"Acreditar no diabo é acreditar em um culpado. É tirar de si a responsabilidade. Nós é que mentimos, matamos, roubamos. Não Lúcifer."
Fé como palavra-chave
Franciane Palmeira, 30, é secretária, e Pedro Antônio, 24, auxiliar de logística. Ambos são de Volta Redonda (RJ).
O casal se conheceu na casa de Jonan e é frequentador da igreja.
"Foi uma escolha por afinidade", disse.
"A ligação com a espiritualidade da casa é muito forte no nosso relacionamento. O casamento veio através deles".
Segundo Franciane, o casamento foi a realização de um sonho espiritual e afetivo.
Ela descreve a cerimônia como um momento de profunda conexão e dever cumprido, marcado pela presença das entidades que acompanham o casal desde o início da relação.
Embora reconheça que o luciferianismo possa causar estranhamento, afirma que não enfrentou preconceito, e que, mesmo se houvesse, isso não abalaria sua fé.
Para a noiva, a força da espiritualidade sempre foi maior que a opinião alheia.
"Minha mãe estava presente. A mãe do Pedro também. Minha irmã, o irmão dele, sobrinhas. Todos sabiam da importância da espiritualidade na nossa vida".
Chamado espiritual
A Primeira Igreja Luciferiana do Brasil foi inaugurada em março de 2024, em Itatiaia (RJ), às margens da Rodovia Presidente Dutra.
Com fachada neogótica rubro-negra e uma cruz invertida na entrada, a igreja chama a atenção de quem passa pela rodovia.
A estrutura foi erguida ao lado da residência de Jonan, que já mantinha centros espirituais na região.
Segundo ele, a fundação da igreja foi um chamado espiritual.
"Tanto a construção da igreja quanto o casamento luciferiano foram pedidos dos guias espirituais", afirmou.
Jonan diz que buscou criar um espaço para quem não se identifica com religiões tradicionais, unindo espiritualidade, justiça e estética simbólica, com elementos da quimbanda, uma religião de matriz africana.
"Fiz um casamento tão bonito, tão bonito, que até mesmo aquelas pessoas que são negativas e gostam de atacar a fé alheia se calaram", disse.
A recepção na comunidade também foi tranquila, segundo ele.
"Já tive centro aqui antes, sou conhecido no bairro. Sempre fiz projetos sociais. As pessoas me respeitam".