O Tratado de Tordesilhas: Como tudo começou
O mundo vivia nos séculos XV e XVI, o período das Grandes Navegações com os reinos de Portugal e Espanha tomando a frente e localizando novos mundos além do Atlântico, que margeava seus países.
Para evitar grandes disputas sobre as novas terras a serem localizadas, foi realizada a assinatura do Tratado de Tordesilhas, um acordo assinado entre os reinos de Portugal e de Castela (Espanha), celebrado em 7 de junho de 1494, na cidade de Tordesilhas, na Espanha. Este documento estabeleceu uma linha imaginária a 370 léguas a oeste do Arquipélago do Cabo Verde, na África. A proposta inicial, feita pelo Papa Alexandre VI, estabelecia a divisão a 100 léguas a oeste de Cabo Verde, mas Portugal não aceitou essa distância.
No Brasil, esta linha imaginária passaria ao Norte no atual estado do Pará e, ao Sul, no atual estado de Santa Catarina, onde hoje está a cidade de Laguna. Ainda que o Tratado não definisse claramente fronteiras internas, ele foi base para as futuras disputas e divisões que moldariam o mapa do país ao longo dos séculos.
As Capitanias Hereditárias
Em 1534, na tentativa de administrar melhor suas novas terras, o rei Dom João III, de Portugal, dividiu o Brasil (parte destinada a Portugal), em14 Capitanias Hereditárias e doou estes territórios às pessoas nobres da corte portuguesa e seus sucessores que tinham a responsabilidade de desenvolver a região e povoá-la.
As Capitanias Hereditárias foram a primeira forma de organização administrativa do território brasileiro durante o período colonial.
Para governar o sistema, percebendo a dificuldade e os riscos ao projeto colonizador, a coroa decidiu centralizar o governo das capitanias instaladas no Brasil, e enviou um primeiro governador-geral, Tomé de Sousa (1548).
A região onde hoje está Santa Catarina foi parte da Capitania de São Vicente, inicialmente concedida a Martim Afonso de Souza, a faixa mais ao sul, que compreende parte do litoral catarinense, foi atribuída a seu irmão, Pero Lopes de Souza, sob o nome de Capitania de Santana.
A Capitania de Santana passou por várias mudanças de pertencimento e de nome. Em 1709 passou a pertencer à Capitania de Nossa Senhora do Rosário de Paranaguá. Pela Provisão Régia de 11 de agosto de 1738 foi criada a Capitania de Santa Catarina, Em particular, esta capitania não prosperou como as outras e acabou sendo adquirida pela Coroa e incorporada à Capitania de São Paulo em 1753.
Tratado de Madri e o avanço sobre o território sul
Com o passar dos séculos, a linha do Tratado de Tordesilhas foi sendo ignorada na prática. Os portugueses avançaram cada vez mais para o oeste, impulsionados por missões jesuíticas, expedições bandeirantes e pela busca por riquezas e novas áreas de colonização. Isso gerou conflitos com os espanhóis, principalmente nas regiões do Sul do atual Brasil.
Para resolver essas disputas, foi assinado o Tratado de Madri, em 13 de janeiro de 1750, redefinindo os limites coloniais. Esse novo acordo reconhecia a ocupação portuguesa em áreas antes designadas aos espanhóis, incluindo partes do atual território catarinense.
Foi a partir desse tratado que a presença portuguesa se consolidou no Sul do Brasil, abrindo caminho para a formação de vilas, colônias e, futuramente, municípios como Criciúma. O Tratado de Madri representou um avanço diplomático importante, ao transformar ocupações de fato em posses de direito e garantiu a Portugal uma extensão territorial ainda maior do que a prevista no tratado anterior.
Os primeiros núcleos catarinenses
Foi apenas no século XIX, já sob o domínio do Império do Brasil, que o Sul do país passou a ser ocupado de forma mais sistemática, por meio de políticas de incentivo à imigração europeia. O primeiro núcleo de colonização do litoral de Santa Catarina foi Nossa Senhora da Graça do Rio São Francisco, embora habitado desde 1504, foi elevado a condição de Vila apenas em 1660, hoje, município de São Francisco do Sul.
O segundo núcleo foi Santo Antônio dos Anjos da Laguna, criado em 1676 e que abrangia uma extensa área, desde a atual cidade de Florianópolis (à época chamada Ilha de Nossa Senhora do Desterro), ao Norte, até o rio Mampituba, ao Sul, divisa entre o estado do Rio Grande do Sul.
Colonizada desde 1673, a Ilha de Nossa Senhora do Desterro só foi elevada à condição de vila e conquistou autonomia administrativa em 1726, quando se desmembrou de Laguna e passou a se chamar Desterro, atual Florianópolis.
De Capitanias Hereditárias a Províncias
A transição de Capitania para Província no Brasil ocorreu em 1821, quando o rei D. João VI, decretou que todas as capitanias passariam a ser chamadas oficialmente de Províncias.
Essa mudança foi mais nominal do que administrativa, a estrutura de governo local continuou basicamente a mesma até a Independência do Brasil em 1822, quando as províncias passaram a ter um papel mais autônomo dentro do Império do Brasil.
Neste período a província de Santa Catarina ainda estava pouco povoada e tinha uma organização territorial bastante diferente da atual. Lages já fazia parte desde 1770, quando deixou a Capitania de São Paulo para integrar a de Santa Catarina, unindo litoral e interior e fortalecendo a economia regional.
O governo provincial estava sediado em Nossa Senhora do Desterro (atual Florianópolis). O território era dividido em 4 vilas (equivalente ao município de hoje). Abaixo das vilas havia freguesias e núcleos de povoamento que não tinham autonomia administrativa.
Laguna o município mãe
Até 1870, a área territorial de Laguna abrangia todo o litoral sul de Santa Catarina, cenário que mudou com a emancipação de municípios como Tubarão e Araranguá. Ponto geográfico estratégico para Portugal, a cidade era cortada pela linha imaginária do Tratado de Tordesilhas, hoje lembrado por um monumento no centro histórico da cidade.
De Laguna a Tubarão
A emancipação política de Tubarão ocorreu em 27 de maio de 1870, quando o presidente da Província de Santa Catarina sancionou a Lei nº 635, elevando a região à categoria de município e desmembrando-a de Laguna. Na época, Tubarão já se destacava como um importante ponto de passagem e comércio, devido à sua localização estratégica às margens do rio que lhe dá nome.
A emancipação representou não apenas um marco político, mas também o início de um período de maior organização urbana e a definição de políticas próprias para o desenvolvimento da cidade. Tubarão consolidou-se como referência no Sul catarinense, ampliando sua influência econômica e cultural sobre os municípios vizinhos.
De Laguna a Araranguá
De Araranguá a Cresciúma
Com a Proclamação da República em 15 de Novembro de 1889, Santa Catarina deixou de ser Província e passou à condição de Estado da Federação.
Nesta época, Araranguá estava com sua denominação atual e já havia sido elevada à categoria de município, o que ocorreu em 03 de abril de 1880.
Também nesta época já havia chegado a primeira leva de imigrantes italianos em Araranguá, ocorrida em 1880, que se estabeleceu em um núcleo colonizador conhecido como Vila São José, mais tarde município de Cresciúma.
Cresciúma pertenceu a Araranguá até 04 de novembro de 1925, quando aconteceu sua emancipação política. Pela divisão territorial com Araranguá, Cresciúma ficou com a área dos atuais municípios de Içara, Nova Veneza e Forquilhinha.
Araranguá ficou com toda a área restante que posteriormente sofreria outros desmembramentos.
Foi na década de 1940 que ocorreu a mudança da grafia Cresciúma para Criciúma. Segundo o historiador Mário Belolli, não há registros de leis que comprovem a necessidade de alterar o nome da cidade, mas, nesse período, o Brasil passava por uma reforma ortográfica que pode justificar a mudança.
Nova Veneza foi o primeiro município a se emancipar de Criciúma
Em 21 de junho de 1958, durante a gestão do então prefeito de Criciúma, Addo Caldas Faraco, ocorreu a emancipação do primeiro município desmembrado do território criciumense: Nova Veneza. A cidade, conhecida por suas raízes culturais italianas, passou a contar com administração própria após a aprovação da Lei Estadual nº 348, publicada no mesmo ano.
Naquele período, Criciúma vivia um momento de expansão econômica e urbana, impulsionado principalmente pela mineração de carvão e pela industrialização.
Nova Veneza seguiu seu caminho como município vizinho, mas o vínculo histórico, geográfico e afetivo com Criciúma permaneceu. Ainda hoje, os laços entre as cidades se mantêm fortes, reforçados por relações familiares, culturais e econômicas construídas ao longo de mais de um século de convivência.
Içara: o segundo município a se desmembrar de Criciúma
Em 20 de dezembro de 1961, Criciúma passava por mais uma reorganização territorial com a emancipação de Içara, o segundo município a se desmembrar da cidade-mãe. Na ocasião, o prefeito de Criciúma era Nery Jesuíno da Rosa, gestor que conduzia o município durante uma fase de avanços econômicos e urbanísticos.
Assim como já havia ocorrido com Nova Veneza em 1958, a emancipação de Içara foi motivada por demandas administrativas e pelo crescimento da população local. A decisão foi oficializada por meio da Lei Estadual nº 814, sancionada naquele ano.
Criciúma, por sua vez, seguiu firme em seu papel de referência regional, consolidando-se como centro urbano, industrial e político do Sul catarinense.
Forquilhinha: o caçula entre os desmembramentos de Criciúma
O último município a se desmembrar de Criciúma foi Forquilhinha, em 26 de abril de 1989, durante a gestão do então prefeito Altair Guidi. A nova emancipação encerrou um ciclo iniciado três décadas antes, quando Nova Veneza e Içara haviam se tornado independentes. Mais uma vez, Criciúma demonstrava sua força e capacidade de originar novos centros urbanos com autonomia política.
O crescimento da comunidade, o desejo por uma administração mais próxima da população e a consolidação de uma identidade local motivaram o pleito, que foi reconhecido por meio da Lei Estadual nº 8.448, sancionada naquele ano. Com isso, Criciúma consolidou-se como cidade-mãe de três importantes municípios do Sul catarinense: Nova Veneza, Içara e Forquilhinha.
Muito mais do que perder territórios, Criciúma ajudou a formar novas cidades e expandiu sua influência na região, mantendo-se até hoje como referência em diversos setores.
Era apenas um pedaço de terra perdido entre tratados e disputas. Quis o destino que os primeiros a lhe dar forma fossem humildes e sonhadores italianos, que cruzaram o oceano em busca de um recomeço. Aqui fincaram raízes, enfrentaram a dureza da terra e do tempo e, onde poucos viam futuro, moldaram a bela cidade de Criciúma.
Não foi sorte, foi coragem. Não foi acaso, foi trabalho. Uma cidade que brotou do carvão, cresceu com suor e vive até hoje movida pelo orgulho de sua gente.
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