Entre tantas histórias que ajudaram a moldar a identidade de Criciúma ao longo de seus 100 anos de emancipação, o futebol ocupa um espaço de destaque. Mais do que um esporte, ele se entrelaça à cultura, ao trabalho e à paixão de uma cidade que cresceu sobre o carvão e que encontrou, nos gramados, uma nova forma de se afirmar.
Na década de 1940, o futebol em Criciúma entrava em sua era dourada. Desde a vinda de Charles Miller ao Brasil trazendo o esporte bretão, apelido do esporte na época, o jogo se tornou rapidamente a principal diversão entre os brasileiros. Na região sul de Santa Catarina, as carboníferas abraçaram o esporte como um entretenimento para seus operários, e dali foram fundados os clubes: Atlético Operário, Ouro Preto, Barão do Rio Branco, Próspera, Metropol, São Paulo, dentre outros. Praticamente todo bairro onde havia uma mina de carvão também havia seu time de futebol.
Os garotos do comércio da cidade, que frequentavam diariamente a Praça Nereu Ramos, também nutriam entusiasmo pelo futebol e era o assunto principal das rodas de conversa. Carlos Augusto Borba jogava pelo Atlético Operário, mas pertencia aos “meninos do centro”. Ele então, vendo que o bairro não tinha seu próprio time, resolveu dar a ideia a seus colegas de praça.
Foi então que em 13 de maio de 1947, embaixo de uma figueira da Nereu Ramos, o Comerciário Esporte Clube foi criado. Os onze fundadores, que também jogavam, eram: Pedro Canarin, Lédio Búrigo, Nelson Garcia, Hamilton Prates, Ruy Passante Rovaris, Carlos Rovaris, Hercílio Guimarães, Jacob Della Giustina, Homero Borba, José Carlos Medeiros e Carlos Borba. O primeiro presidente do clube foi Sinval Rosário Bohrer, dono de uma filial da loja Renner. As cores eram o azul e o branco. O escudo foi confeccionado pelo menino Carlos Ernesto Lacombe, que anos mais tarde viria a escrever o hino do Criciúma Esporte Clube.
Primeiros passos e as rivalidades da era do carvão
O primeiro jogo do Comerciário foi contra o São Paulo da Vila Operária, em uma derrota por 4x0. O primeiro gol foi marcado no jogo seguinte, contra o mesmo São Paulo, na qual perderam de 4x1. Carlos Rovaris, o Carlitos, marcou o gol. Na terceira partida contra o mesmo adversário, entretanto, veio a primeira vitória, 3x2.
Em 1949, o clube venceu o primeiro torneio oficial, o campeonato da LARM (Liga Atlética da Região Mineira). Em 1955, inaugurou seu próprio estádio, o Heriberto Hulse, em homenagem ao então secretário de estado da fazenda de Santa Catarina, “que ajudou com a doação de um transformador e alguns metros de fio”, como lembrou Antônio Sérgio Fernandes, advogado que trabalhou mais de trinta anos no Criciúma E.C.
Até que chegaram os anos 60, quando Criciúma se tornou uma potência estadual. Comerciário e Metropol, time que se destacava a época, travavam uma rivalidade intensa, com investimentos altíssimos em jogadores, que se expandia para os quatro cantos de Santa Catarina. Os anos de glória, todavia, terminaram cedo demais. As atividades profissionais dos principais clubes da região, agravadas pela crise do carvão, se encerravam no início dos anos 1970.
A transformação em Criciúma Esporte Clube
Foi quando Osvaldo de Souza, o primeiro tesoureiro do Comerciário, resolveu reerguer o futebol do clube em 1976. O time disputou o Campeonato Catarinense do ano seguinte, mas sabia que só poderia se manter se a instituição deixasse de atuar de forma “bairrista”. Em 1978, portanto, o empresário Antenor Angeloni, visando essa expansão do clube, rebatizou o clube como Criciúma Esporte Clube, e em 1984 trocou-se as cores para o amarelo, preto e branco, que permanecem até hoje também como símbolo da cidade.
O amarelo representava o ouro, as riquezas da cidade, mas principalmente porque era uma cor única — nenhum clube da região a utilizava em sua camisa; o preto era o carvão, o símbolo histórico da cidade; e o branco era um sinal de união, já que era cor predominante em todos os times da época.
“Ele (Antenor) conseguiu aglutinar grande parte da região de Criciúma, menos os torcedores ferrenhos do Metropol e Atlético Operário. Mas com o tempo, não só Criciúma, como o Brasil e o mundo passaram a conhecer a cidade através do clube, com um uniforme que não ficou com a cor do Comerciário, nem do Próspera, Itaúna, Barão do Rio Branco ou Ouro Preto. Foram as cores da cidade”, destacou o ex-presidente do Tigre, Milton Carvalho.
Títulos, identidade e projeção nacional
A partir dos anos seguintes, o Criciúma se tornou uma grande potência estadual. Venceu o Campeonato Catarinense de 1986, conquistando todas as quatro taças disputadas; foi tri-campeão estadual entre 1989 e 1991; e encantou a todo o país ao vencer a Copa do Brasil em 1991. No ano seguinte, ainda teve o mérito de disputar a Taça Libertadores da América, maior competição continental, e chegar em quinto lugar. O grande destaque da campanha foi a vitória por 3x0 sobre o todo poderoso São Paulo, do craque Raí.
Após essa série hegemônica, o Criciúma foi então apelidado de Tigre e ganhou seu mascote próprio. O time carvoeiro ainda venceu a Série B em 2002, a Série C em 2006 e tem ao todo 12 conquistas estaduais, além de acumular 15 passagens pela primeira divisão nacional.
Uma paixão que move a cidade
“A cidade tem uma torcida muito apaixonada pelo Criciúma e o clube também é muito importante economicamente para a cidade”, comentou o atual presidente Valter José Minotto, que é torcedor desde os oito anos de idade, quando acompanhava os jogos do Comerciário. “Há 78 anos, o Criciúma era um clube amador e hoje está deste tamanho. Então eu imagino daqui cem anos o clube vai crescer ainda mais. Provavelmente vai precisar ser feita uma ampliação do estádio”.
O Tigre chegou a bater recorde de sócios quando esteve na Série A em 2024: 18 mil, sem contar os outros milhares que ficaram na fila de espera, um número muito expressivo se comparado inclusive a de outros clubes grandes do país.
Com o tempo, o Criciúma ultrapassou os limites do estado, ergueu troféus nacionais e até representou Santa Catarina em competições continentais. Em campo, sempre espelhou a garra da cidade: um time aguerrido, que cai, levanta e segue em frente. Mais que títulos, foi essa capacidade de renascer e lutar que fez do clube um símbolo local.
O futebol criciumense, no entanto, não se resumia ao Tigre. Outras equipes marcaram época e ajudaram a construir a reputação da cidade como berço de grandes talentos e centros esportivos. O Metropol, com sua estrutura impressionante e campanhas históricas, encantou multidões e colocou Criciúma entre os protagonistas do futebol catarinense nos anos 60. O Próspera Esporte Clube, nascido das mãos calejadas dos trabalhadores da mina, revelou talentos e manteve vivo o espírito comunitário do esporte.
Hoje, apenas o Criciúma permanece no cenário de elite, mas a herança deixada pelos clubes do passado segue viva nas lembranças dos torcedores, nas arquibancadas, nas histórias contadas de pai para filho. O futebol em Criciúma é mais do que uma paixão — é parte da memória viva de um povo que, dentro e fora de campo, aprendeu a transformar desafios em conquistas.
[3] Dizelda Coral Benedet: A primeira mulher eleita vereadora de Criciúma
[2] Da colonização à emancipação: 100 anos de histórias e memórias que merecem ser lembradas
[1] 100 anos de histórias e memórias que merecem ser lembradas