12/08/2025 às 15h30min - Atualizada em 12/08/2025 às 15h30min

Projeto Criciúma 100 Anos: Descubra como a fé que cruzou oceanos moldou a história e construiu raízes em Criciúma

A história de um povo que luta para manter suas raízes e alcançar o desenvolvimento, também busca no âmbito espiritual a força para seguir.

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Fonte: Arquivo municipal Pedro Milanez

A fé católica que atravessou oceanos e fundou Criciúma

A presença da Igreja Católica em Criciúma remonta à própria fundação da cidade, no ano de 1880, quando os primeiros imigrantes italianos desembarcaram na então Colônia de São José de Cresciuma. Trouxeram consigo não apenas ferramentas de trabalho e sementes para cultivar, mas também a fé firme, tradicional e profundamente enraizada em seus costumes.

Rosários, imagens de santos, livros de oração e promessas de devoção eram parte da bagagem espiritual daqueles que viriam a moldar o que hoje é o município de Criciúma. Apesar das inúmeras dificuldades enfrentadas, como o desmatamento, a construção das primeiras moradias e a luta diária pela subsistência, os imigrantes sempre encontravam tempo para rezar. As orações comunitárias ocorriam de forma itinerante, nos terrenos e salas das casas, especialmente ao entardecer dos domingos, quando o terço era rezado coletivamente.  

Com o tempo, cresceu entre os moradores o desejo por uma capela própria, um espaço fixo de fé e comunhão. A construção de um templo religioso tornou-se prioridade. A primeira capela de Criciúma foi a de Santo Antônio, no bairro do mesmo nome, construída de achas de madeira e coberta de palha e folhas de caeté, em junho de 1880.

Posteriormente, na praça Nereu Ramos foi construída outra em 1889, de tábuas e coberta de tabuinhas rachadas com uma torre na lateral para abrigar o sino, no local da atual Casa da Cultura, onde cabiam cerca de 70 pessoas sentadas e outro tanto em pé. O sino também assumiu um papel de comunicação social: dependendo do número de badaladas, os moradores sabiam se alguém havia falecido, se era hora do terço ou se havia alguma emergência.

Anos mais tarde, o número de fiéis aumentou e uma nova igreja se fazia necessário. Iniciou-se então, a busca pelo melhor local e surgiram duas correntes. A opção pelo terreno do Srº João Batista Targhetta, onde hoje se situa a Escola Básica Professor Lapagesse e o terreno do senhor Pedro Benedet, na atual Fundação Cultural de Criciúma. A disputa chegou a tal ponto que um dos envolvidos foi assassinado, e um paiol foi incendiado, conforme relata Pedro Milanez no livro Fundamentos Históricos de Criciúma. A paz voltou quando alguém propôs um meio-termo: construir o novo templo no meio do caminho entre os dois terrenos. O ponto demarcado foi aquele onde atualmente se encontra a Diocese de Criciúma. A ideia foi aceita, celebrada com vinho, foguetes e corrida de cavalos.

Dessa conciliação nasceu a Igreja Matriz São José, símbolo da fé e da identidade dos descendentes dos primeiros colonizadores.

 

Igreja Matriz São José: mais de um século de fé e transformações

A construção da igreja em alvenaria foi iniciada em 1907 sob a orientação de Padre João Canônico e inaugurada em 17 de setembro de 1917, sob o comando do Pároco Francisco Bertero.

Desde então, o templo passou por algumas reformas: em 1926 a torre sineira direita foi aumentada para comportar um sino maior, mais belo e potente, trazido da Itália por Pedro Benedet.

Em 1946  a primeira grande reforma estrutural foi motivada pela necessidade de acolher melhor os fiéis durante o Congresso Eucarístico. Ganhou capelas laterais, área de entrada do templo (nártex) e torres simétricas.

Em 1976, a Igreja Matriz São José passou por uma importante reforma que contou com a participação do arquiteto Fernando Carneiro. A fachada externa foi revestida com cerâmica, material que simbolizava o auge da indústria cerâmica na região. Internamente, a igreja foi adaptada às diretrizes do Concílio Vaticano II, com destaque para a ampliação do púlpito, que passou a abrigar o coro e o imponente órgão de tubos.

Entre 2005 e 2011, a Catedral São José passou por um amplo processo de reforma e ampliação para atender às novas demandas da Diocese de Criciúma. A reabertura ocorreu em 2012, com o interior completamente revitalizado. Os vitrais históricos foram restaurados, a acessibilidade ampliada e a infraestrutura modernizada.

Com estrutura sólida, localizada no coração da cidade, a catedral São José é fruto da persistência de um povo que, entre orações, disputas e reconstruções, nunca abriu mão de sua fé.

 

Os Caminhos da Diocese de Criciúma sob a liderança de Dom Jacinto

Criciúma foi a cidade escolhida para ser a sede da Diocese, que compreende 26 municípios do extremo sul do Estado de Santa Catarina. Uma igreja que iniciou com a capela São José e hoje  possui mais de 40 paróquias, destas, 11 apenas dentro da cidade de Criciúma.  Diocese, em grego significa administração. A diocese de Criciúma foi criada pelo papa João Paulo II em 27 de maio de 1998, através da bula papal “sollicitus de spirituali bono” (solícito pelo bem espiritual de seus fiéis) e instalada oficialmente no dia 15 de agosto de 1998, sob a gestão do Bispo Dom Paulo Antônio De Conto, que permaneceu no governo da Igreja Católica nesta Diocese, até o ano de 2008.

Desde sua chegada a Criciúma em 13 de novembro de 2009, o Bispo Dom Jacinto Inácio Flach tem vivenciado e conduzido uma caminhada de fé marcada por proximidade, solidariedade e compromisso social. Natural do Rio Grande do Sul, o religioso se encantou com o povo criciumense desde o primeiro contato. “O que me chamou atenção foi a fé desse povo. A igreja estava lotada mesmo com chuva. Percebi que era um povo que amava sua cidade e a sua igreja”, relembra.

Ao assumir a Diocese, Dom Jacinto encontrou uma comunidade católica vibrante e culturalmente enraizada em tradições passadas de geração em geração, característica que, segundo ele, se manteve graças à pouca migração de outros povos para a região.

“Essa fé foi transmitida pelos antepassados e continua viva. É raro ver tanta participação nas missas, até durante a semana”, relata.

Além do aspecto espiritual, Dom Jacinto também reconheceu em Criciúma uma cidade organizada, limpa e acolhedora. Observador, ele destaca o bom relacionamento da igreja com os políticos, com os meios de comunicação, o Judiciário e outras instituições.

“Diferente de outras regiões do país, aqui sentimos abertura e respeito. Não há ataques à Igreja. Existe convivência harmônica”, pontua.

Sob sua liderança, a Diocese de Criciúma vivenciou avanços significativos em diversos âmbitos. O bispo criou 18 novas paróquias com o objetivo de permitir que os padres estejam mais próximos de suas comunidades.

“A missão do padre vai além da missa: ele precisa visitar os doentes, estar com os idosos, acompanhar as famílias”, explica.

Outro pilar importante de sua atuação está no investimento na formação de novos padres e seminaristas. Vários foram enviados para estudar em Porto Alegre, Roma, São Paulo e até para atuar em missões fora do país.

“Sempre incentivei os estudos. Uma Igreja que quer crescer precisa de líderes preparados”, afirma.

Entre os nomes lembrados por ele, que estudam ou tiveram nas missões mundo afora, estão os padres Antônio Mendes, Valmor Della Giustina, Gabriel Manarim Dalmolin e Maxssuel da Rosa Mendonça, além das instituições que a Diocese ajuda na África.

A atuação da Diocese também se estende ao acolhimento de congregações religiosas. As Irmãs Adoradoras da Divina Misericórdia, por exemplo, instalaram sua sede na Basílica Santuário Sagrado Coração Misericordioso de Jesus, e outras comunidades religiosas atuam em bairros vulneráveis, promovendo projetos sociais com crianças e famílias em situação de vulnerabilidade.

Dom Jacinto também destacou os projetos sociais voltados à ressocialização de ex-detentos. A Diocese mantém uma casa de apoio no bairro São Luiz, com a presença de religiosos que oferecem suporte até que essas pessoas consigam emprego e estrutura para reconstruir suas vidas. Além disso, a Igreja Católica tem acesso regular aos presídios da região, promovendo crismas, batismos, casamentos e assistência espiritual.

Outra frente de atuação da Diocese é o enfrentamento à dependência química. Comunidades terapêuticas são mantidas com apoio da Igreja, oferecendo acolhimento, orientação espiritual, acompanhamento psicológico e apoio social, com participação ativa dos padres.

O espírito missionário, inspirado pelo Papa Francisco, também se traduz em ações concretas da Diocese. Todos os seminaristas da teologia são enviados ao menos em uma missão no arquipélago do Marajó, no Pará, para vivência missionária em comunidades onde, muitas vezes, há apenas uma missa por ano. “Uma Igreja que ajuda os que mais precisam será sempre abençoada”, afirma Dom Jacinto. Além de enviar pessoas, a Diocese realiza campanhas de arrecadação de alimentos, mochilas escolares e brinquedos para as crianças da região.

A generosidade da comunidade católica de Criciúma, segundo o bispo, é admirável, mas com uma condição clara:

“O povo ajuda, mas quer saber para onde vai o dinheiro. Eles são generosos e conscientes”, observa.

Esse cuidado com a transparência é parte essencial da relação entre a Igreja e os fiéis.

Com sensibilidade pastoral, gestão prudente e dedicação missionária, Dom Jacinto Inácio Flach moldou um episcopado voltado à fé vivida no cotidiano e às necessidades concretas do povo. Entre conquistas marcantes, está também a construção da Basílica Santuário do Coração Misericordioso de Jesus, no município vizinho, Içara, uma obra erguida com apoio popular e considerada por ele como fruto de uma comunidade que acredita na Igreja.

“Deus me deu o povo que eu sonhava ter. Aqui é o lugar onde eu posso realizar o que tenho no coração. Não foi sempre fácil, mas foi o melhor que Deus poderia ter feito por mim”, conclui Dom Jacinto.

 

 

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