O carvão no Brasil
No Brasil, as ocorrências conhecidas deste minério estão localizadas nos estados do Rio Grande do Sul, em maior quantidade, Santa Catarina e Paraná. Sua origem se deu há cerca de milhões de anos, quando restos de plantas e árvores de uma vegetação pré-histórica foram se acumulando sob lâminas d'água e, com o passar do tempo, cobertos por argilas e materiais orgânicos. Este soterramento gradual provocou o aumento da temperatura e da pressão sobre a matéria orgânica depositada, expulsando o oxigênio e concentrando o carbono, processo de carbonificação, que é a base do combustível fóssil denominado carvão mineral.
As pedras que queimavam
Em Criciúma e Região Carbonífera, relatos orais que passaram por gerações dão conta de que os povos primitivos que aqui moravam já conheciam “as pedras que queimavam”. Depois, foi a vez dos tropeiros que desciam a Serra do Rio do Rastro em direção à Laguna encontrarem estas pedras nos seus caminhos. Levado o assunto adiante, chegou a notícia destas pedras na Corte Imperial, chamando a atenção de estudiosos e investidores.
O Império e o carvão mineral
É neste contexto, que quando a Família Real Portuguesa veio para o Brasil, em 1808, convidou o naturalista alemão Friedrich Sellow (1789-1831) para pesquisar ouro, prata e carvão mineral no Sul do Brasil. Na época, o carvão mineral era um minério valioso, amplamente explorado na Inglaterra e foi um dos pilares para a Revolução Industrial e produção do aço.
Primeiras minas e estrada de ferro
As primeiras minas de carvão mineral em solo catarinense aconteceram na região do atual município de Lauro Müller, por iniciativa do Segundo Visconde de Barbacena, Felisberto Caldeira Brandt Pontes. De influente família, Barbacena conseguiu apoio de investidores ingleses para abrir minas de carvão e construir a Estrada de Ferro Dona Tereza Cristina, ligando Lauro Müller ao Porto de Imbituba para escoar a produção do minério, em 1884. Alguns anos depois, em 1886, Barbacena vendeu sua parte para a empresa Lage & Irmãos, retirando-se dos negócios do carvão. A Lage & Irmãos não deu continuidade imediata à produção do mineral e uma enchente, em maio de 1887, destruiu grande parte da estrada de ferro, levando a sua completa desativação na região.
O carvão mineral em Criciúma
A primeira descoberta do carvão mineral, em Criciúma, ocorreu em 1893, nas terras do imigrante italiano Giácomo Sônego. Suas terras estavam localizadas próximas ao atual bairro Santo Antônio. O uso inicial do minério em Criciúma foi nas ferrarias domiciliares, para a fabricação de ferramentas
As pesquisas da Comissão White
Por iniciativa do catarinense Lauro Müller, então ministro da viação no governo federal de Rodrigues Alves, iniciaram pesquisas sobre o carvão mineral na região. Estas pesquisas foram realizadas em Araranguá e na Vila São José (atual Criciúma), em 1904, pelo geólogo americano Israel Charles White (1848/1927).
O carvão mineral em tempos de crise
O carvão mineral em Criciúma e região conheceu seu primeiro impulso durante a Primeira Guerra Mundial (1914/1918) devido a necessidade deste combustível para abastecer a iluminação pública nos grandes centros da época, Rio de Janeiro, São Paulo e a Estrada de Ferro Central do Brasil. Nesta época, em 1917, entrou em atividade a Companhia Brasileira Carbonífera Araranguá (CBCA), na região do bairro Santo Antônio. O carvão extraído era enviado para o centro do país, substituindo o carvão importado, que estava impossibilitado de cruzar os mares devido a guerra.
Esta mesma cena vai se repetir no período da Segunda Guerra Mundial (1939/1945). A diferença é que o carvão mineral extraído das minas catarinenses, além de seu uso para produção de energia (carvão energético), vai também abastecer a Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), fundada em 9 de abril de 1941, em Volta Redonda, no Rio de Janeiro. Para a CSN era enviado outro tipo de carvão, o metalúrgico, usado para a fundição do aço.
Mais tarde, na década de 1970, com as crises do petróleo, o governo brasileiro volta a investir no carvão nacional. É quando, na década de 1980, o carvão mineral catarinense atinge seu auge de produção. A “crise do petróleo” ocorreu devido ao disparo no preço do barril do petróleo em nível mundial e sua pouca produção em território nacional. A saída imediata foram investimentos na já existente produção do carvão mineral, com a mecanização das minas.
Apoio social das empresas carboníferas
A instalação do primeiro Posto de Puericultura, (unidade de atendimento voltada para a saúde materno-infantil). a criação do SESI (Serviço Social da Indústria), a fundação da SATC (Sociedade de Assistência aos Trabalhadores do Carvão) e até mesmo o surgimento do Metropol Esporte Clube, entre tantas outras iniciativas, podem ser destacadas como ações pioneiras lideradas pelos empresários do carvão em Criciúma e região.
O primeiro Posto de Puericultura de Criciúma, foi inaugurado em 24 de outubro de 1943 no Bairro “Vila Operária”, atual Bairro Santa Bárbara. O médico Olavo de Assis Sartori foi o primeiro médico-chefe do Posto. Esta iniciativa aconteceu tanto em função da atividade minerária quanto pelo aparecimento de doenças contagiosas da época, como a “gripe espanhola”, a varíola e o tifo.
O SESI, iniciou suas atividades em Criciúma em 1948, com a implantação dos “armazéns do SESI”, onde as famílias podiam comprar gêneros alimentícios. A iniciativa em trazer o SESI para Criciúma foi do empresário Euvaldo Lodi, na época presidente da Companhia Carbonífera Metropolitana.
A SATC, foi fundada em 02 de maio de 1959 pelos empresários da mineração, que destinavam parcela de seu faturamento para a instalação e manutenção da instituição. Os objetivos iniciais eram a assistência social às famílias e educação aos filhos dos mineiros. Em 10 de abril de 1963 a SATC inaugurou sua escola industrial em parceria com o SENAI – Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial e, em 1969, inaugurou a Escola Técnica Osvaldo Pinto da Veiga. Nos dias atuais, evoluiu para a UniSATC, com cursos superiores em diversas áreas, e implantou o CTCL – Centro Tecnológico de Carvão Limpo, com pesquisas avançadas na produção do mineral.
O Metropol Esporte Clube nasceu “para abafar uma greve de mineiros e aproximar empregados e patrões pelo esporte”, relatam histórias orais sobre a sua fundação, mas o certo e comprovado é que o time manteve a hegemonia do futebol catarinense em toda a década de 1960. Na época, as famílias Diomício Freitas e Santos Guglielmi eram a proprietária da Carbonífera Metropolitana. Dite Freitas, filho de Diomício Freitas, entrou para a história com seu nome associado à principal liderança que conduziu os destinos do Metropol.
O carvão e o meio ambiente
A centenária atividade de extração do carvão mineral trouxe consigo problemas ambientais no Sul do Brasil, onde estão localizadas as jazidas conhecidas deste minério, e no Mundo. Esta realidade começa a mudar a partir das décadas de 1970 e, mais acentuadamente, a partir da década de 1990, com aplicação de técnicas avançadas de proteção ambiental.
A proteção ambiental levou à recuperação da mineração com seus devidos cuidados, principalmente com os holofotes do Ministério Público sobre a atividade minerária. Em Criciúma, várias áreas de depósito dos rejeitos, conhecidos como “pirita”, foram revitalizadas e transformadas em parques na gestão do prefeito Clésio Salvaro ( 2009/2012, 2017/2020 e 2021/2024). Algumas destas áreas mineradas deram origem, no local, ao Parque das Nações, no Bairro Próspera, ao Parque dos Imigrantes, no Distrito de Rio Maina e a Usina Solar Nicola Tesla, também no Rio Maina.
A crise no sulcatarinense na década de 1990
Depois de passadas as duas guerras e a crise do petróleo, o carvão mineral da região de Criciúma continuou abastecendo a CSN, Companhia Siderúrgica Nacional, no Rio de Janeiro, para a produção do aço, e a Usina Termelétrica Jorge Lacerda, em Capivari de Baixo, para a geração de energia.
Na década de 1990, a CSN deixou de usar o carvão catarinense e passou a importar o minério, provocando a maior crise econômica e social do sulcatarinense. Houve demissões em massa nas minas, na Ferrovia Dona Tereza Cristina e em empresas ligadas ao setor. O impacto atingiu também a educação, a saúde e o próprio segmento que, na época, sustentava mais de dez mil empregos diretos.
Raízes de carvão, identidade de um povo
As marcas deixadas pela mineração do carvão estão presentes em diversos aspectos de Criciúma. Bairros nasceram a partir do nome das minas, como: Próspera, Mina União, Mina Brasil, Mina do Toco, Cidade Mineira Nova e Velha, Poço 1, entre outros. Ruas levam o nome de empresários e trabalhadores ligados ao setor, enquanto o feriado municipal de 4 de dezembro relembra a padroeira dos mineiros, Santa Bárbara. Até mesmo o hino da cidade reforça essa ligação ao destacar: “Criciúma nasceste menina, foi teu berço plasmado em carvão...”. São referências que atravessam gerações e ajudam a compreender a identidade criciumense.
A indústria do carvão mineral em 2025
Superadas as grandes crises, com adequações às exigências de saúde, segurança do trabalhador e questões ambientais, o setor carbonífero de Santa Catarina segue em atividade nos dias atuais por meio de empresas: Rio Deserto, Carbonífera Metropolitana S/A, Carbonífera Belluno Ltda e Carbonífera Catarinense. O principal destino do carvão é a geração de energia para a Usina Termelétrica Jorge Lacerda, sustentando cerca de três mil empregos diretos e outros 21 mil indiretos em toda a cadeia produtiva.
O carvão, que um dia iluminou casas, moveu indústrias e deu forma à própria cidade, hoje segue lentamente nas minas que permaecem. Entre galerias silenciosas e lembranças que persistem, fica a memória de uma época em que Criciúma brilhou como a capital do carvão, forjando no trabalho árduo a identidade de toda uma região.
Contribuição Jornalística: Joice Quadros.
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